Nos últimos anos, hospitais, clínicas e centros de reabilitação no Brasil passaram a integrar uma ferramenta inesperada – mas profundamente poderosa – aos seus protocolos de cuidado: cães terapeutas. Muito além da fofura e da simpatia, esses animais têm demonstrado resultados clínicos consistentes em aspectos como redução da ansiedade, melhora do humor, estímulo motor, fortalecimento emocional e até recuperação de pacientes com quadros complexos.
A chamada Terapia Assistida por Animais (TAA) não é uma novidade absoluta no mundo, mas vem ganhando força por aqui devido aos impactos visíveis na saúde física e emocional de crianças, adultos e idosos. Hoje, diferentes unidades de saúde já contam com cães adestrados que circulam pelos corredores, visitam leitos, participam de sessões psicológicas e ajudam pacientes a enfrentarem desafios que antes pareciam impossíveis.

Mas o que, exatamente, esses cães fazem? Por que o contato com eles provoca mudanças tão profundas? E como funciona o processo para que um animal seja aceito em um ambiente hospitalar? O Jornal Urgente conversou com especialistas, analisou relatos de pacientes e reuniu informações atualizadas para explicar essa revolução silenciosa na saúde brasileira.
O poder terapêutico do vínculo humano-animal
Diversos estudos científicos já apontaram que o contato com cães pode:
- Reduzir níveis de cortisol (hormônio do estresse)
- Estabilizar a frequência cardíaca
- Aumentar a oxitocina, ligada ao bem-estar
- Melhorar o foco e a disposição
- Diminuir a percepção de dor
- Favorecer a socialização em pacientes isolados
Em hospitais, isso se traduz em algo muito concreto: pacientes mais abertos ao tratamento, mais calmos antes de procedimentos difíceis e, muitas vezes, mais motivados para continuar.
A psicóloga hospitalar Marina Duarte, que trabalha com TAA há quatro anos, explica:
“As pessoas se permitem ser vulneráveis diante de um cão. O animal não julga, não faz perguntas, não pressiona. Ele apenas está ali, presente. E essa presença abre portas emocionais que às vezes nem a equipe médica consegue alcançar.”
Como funciona a presença dos cães nos hospitais
Muita gente acredita que os animais simplesmente entram no hospital para visitas carinhosas. Mas o processo é muito mais elaborado.
1. Seleção rigorosa dos cães
Nem todo cachorro pode atuar como terapeuta. Eles precisam:
- Ser extremamente sociáveis
- Ter temperamento estável
- Ser treinados para lidar com sons, movimentos bruscos e equipamentos hospitalares
- Passar por exames veterinários constantes
- Ser vacinados e higienizados antes de cada visita
2. Adestramento específico
O adestramento ensina o cão a:
- Não reagir a estímulos inesperados
- Respeitar limites físicos de pacientes frágeis
- Sentar ou deitar conforme orientação do terapeuta
- Permitir toques suaves ou mais firmes
- Se aproximar apenas quando autorizado
3. Supervisão profissional
Toda interação é acompanhada por:
- Psicólogos
- Terapeutas ocupacionais
- Fisioterapeutas
- Adestradores
Cada profissional utiliza o animal conforme seus objetivos terapêuticos.
Casos reais de transformação
Em um hospital pediátrico em Salvador, um menino de 7 anos enfrentava crises frequentes de ansiedade antes das sessões de fisioterapia. Ele não conseguia realizar movimentos básicos devido ao medo e ao desconforto emocional. Tudo mudou quando Luna, uma Golden Retriever treinada para terapia, passou a participar das consultas.
“Quando Luna entrou, ele abriu um sorriso que não víamos há semanas. Em poucos minutos, começou a se movimentar para brincar com ela. Movimentos que ele recusava fazer na fisioterapia, ele fez espontaneamente”, relatou a fisioterapeuta responsável.
Outro exemplo vem de um centro de reabilitação de idosos em São Paulo. Pacientes que raramente interagiam começaram a conversar entre si, tocar os cães, sorrir e relembrar histórias de infância. Em vários casos, médicos observaram:
- Melhora no humor
- Redução da apatia
- Estímulo cognitivo através das memórias afetivas
- Diminuição do uso de medicamentos para ansiedade leve
Quando o cão se torna ponte para a recuperação
A presença dos cães muitas vezes funciona como uma ponte — entre o paciente e o terapeuta, entre o medo e a coragem, entre o isolamento e a esperança.
Em terapias psicológicas, por exemplo, há casos de pacientes que não conseguiam falar sobre traumas, mas se abriram espontaneamente enquanto acariciavam o animal. Como explicou a psicóloga Marina:
“Às vezes, o paciente verbaliza sentimentos como se estivesse conversando com o cachorro. E a partir dali conseguimos avançar no tratamento.”
Em sessões de fisioterapia, cães incentivam movimentos simples como levantar, caminhar, esticar os braços ou mesmo treinar coordenação motora.
Na reabilitação neurológica, muitos pacientes que sofrem de AVC conseguem recuperar pequenas funções motoras com ajuda dos exercícios feitos junto dos cães.
Por que os cães? E não outros animais?
A TAA pode incluir gatos, coelhos e até cavalos — mas os cães são os mais utilizados porque:
- Interpretam emoções humanas com precisão
- Conseguem obedecer comandos complexos
- Se adaptam a diferentes ambientes
- Estão sempre dispostos a interagir
- Criam vínculos rápidos com pessoas desconhecidas
Além disso, o simples toque no pelo de um cachorro já ativa áreas cerebrais relacionadas ao afeto e ao relaxamento.
O impacto emocional que não cabe em estatísticas
Embora números e estudos sejam importantes, os profissionais da área concordam que existe algo mais profundo — difícil de medir, mas impossível de ignorar.
É a alegria no rosto de uma criança hospitalizada.
É o idoso que volta a falar depois de dias em silêncio.
É o paciente com dor crônica que ri pela primeira vez em semanas.
É a família que encontra conforto no carinho do animal em momentos de medo.
A terapeuta ocupacional Juliana Ramos resume de forma simples:
“Os cães trazem vida para dentro das clínicas. Eles mudam o clima do ambiente.”
Desafios e cuidados necessários
Apesar dos inúmeros benefícios, a terapia com animais exige responsabilidade:
- Higiene rigorosa
- Controle de zoonoses
- Treinamento contínuo
- Acompanhamento veterinário
- Limitação de horários e descansos para o animal
- Adequação das unidades de saúde para receber animais
É um trabalho multidisciplinar que envolve logística, preparo e comprometimento.
O futuro da Terapia Assistida no Brasil
O avanço é evidente. Hospitais públicos e privados estão aderindo ao programa. Clínicas psiquiátricas, lares de idosos e centros de recuperação já reconhecem o valor desses cães.
A tendência é que, nos próximos anos:
- Mais unidades adotem a TAA de forma permanente
- Novos protocolos sejam desenvolvidos
- Profissionais sejam treinados especialmente para essa área
- Projetos de lei regulamentem a terapia em todo o país
E, acima de tudo, que mais pessoas tenham a chance de se beneficiar desse cuidado tão humano — e tão simples.
Conclusão: cães que curam com o coração
A presença dos cães nas terapias não substitui equipe médica, medicamentos ou tratamentos formais. Mas complementa tudo isso com algo que nenhum equipamento consegue fornecer: afeto, acolhimento e motivação para viver.
Eles chegam abanando o rabo.
Transformam o dia de alguém.
E saem deixando um rastro de esperança no corredor.
Num mundo cada vez mais acelerado, frio e digital, talvez seja justamente esse toque de sensibilidade — vindo de um animal — que muitos pacientes precisam para reencontrar forças.